E lá estava ela, linda e inspiradora como sempre que a vejo: Beyoncé!
Em uma cena do documentário produzido sobre sua apresentação no festival Coachella em 2018, ela experimenta um figurino antigo e celebra que conseguiu vesti-lo. Detalhe: ela havia passado recentemente por uma gravidez em que chegou a pesar quase 100kg e o figurino era para um corpo com muito menos quilos.
Bey estava radiante com sua conquista – fruto de seu trabalho duro para emagrecer (sic) – e resolveu ligar para contar pra seu marido, o rapper e produtor Jay-Z. Em uma chamada de vídeo ela comunica sua felicidade. Ele solta um “Bacana!”, sorri e encerram a chamada. Uma voz ao fundo diz: “porque os homens não se animam?”. A expressão no rosto de Beyoncé reflete a mesma frustração.
Chamando Beyoncé pra conversa
Corta para um super-mega-exercício de imaginação que te convido a fazer agora:
Imagine “Queen B” chegando em um grupo nosso de prática de Comunicação Não-Violenta (CNV). Sua demanda? Dificuldades nas conversas com o seu companheiro.
Obviamente essa cena que relatei tem muito a se investigar quando colocamos nossas lentes sistêmicas (padrões de relacionamentos amorosos cisgêneros, masculinidade e feminilidade hegemônicas, ditadura estética, indústria cultural, etc). Mas, gostaria de dar destaque para uma das muitas camadas presentes ai: a expectativa dela de reconhecimento de seu esforço por parte do marido. Vamos parar e pensar o quanto as relações afetivo-sexuais são informadas por desígnios externos, por parâmetros sociais.
O casamento ou relações matrimoniais formalizadas ou não como conhecemos hoje é uma invenção social, ou seja, nem sempre e nem em todos os lugares do mundo os seres humanos se relacionaram nesse campo da forma como concebemos hoje. A própria ideia de amor como base para essas relações é algo bastante recente na história ocidental. Decorre daí, que as expectativas que se constroem em torno desse arranjo também serão muito variadas, de acordo com a forma como ele é estruturado.
Se Beyoncé vivesse no século 4 anterior a era cristã (AC) em Gana ou em Taiwan muito provavelmente essa história teria sido radicalmente diferente; isso, se ela acontecesse.
Somos pequenas partes de um grande todo
Esse foi apenas um exemplo ilustrativo do quanto nossas dores, conflitos e incômodos intrapessoais e interpessoais têm na raiz a dimensão macroestrutural ou sistêmica da vida. A forma como construímos nossa individualidade e sustentamos nossas relações é marcada e atravessada pelos efeitos gerados pelas macroestruturas que compomos. Nem mesmo os sentimentos, nossas bússolas, que revelam tanto sobre nossos labirintos internos estão apartados dos contextos sociais, visto que eles receberão significações culturais que os revestirão ao longo de todo o fluxo da “engrenagem” emocional.
Indivíduo e sociedade, psiquismo e cultura resultam de um caldo histórico-político-cultural repletos de tensões e movimentos que exigirão sempre de nós uma postura atenta e flexível para nos colocarmos de forma equilibrada entre a autorresponsabilidade e a identificação da ação de sistemas violentos. Conseguir esse “ponto ótimo” é muito difícil, mas o convite é seguirmos tentando!
Só o movimento de questionar as possíveis bases sistêmicas de nossos conflitos, desassossegos e dores emocionais já nos oferece espaços de respiro, e, as vezes, direção de caminhos.
Cuide de você. Cuide de nós.
Enfim, “Be careful you, don´t hurt yourself” (Tenha cuidado, não se magoe). Esse é um verso de uma canção de Bey (onde talvez ela estivesse mais empaticamente nutrida…). Um verso que nos alerta e inspira. E esse é o desejo para todes nós: que possamos cada vez mais, de forma consciente e generosa, nos acolher em nossa singularidade, identificar a origem de nosso incômodos e sofrimentos, e fazer o possível, individual e coletivamente, para criar uma vida mais florida, mais leve, mais plural, mais pulsante para todas as pessoas.
Vamos juntas?