Quero iniciar esse texto fazendo uma pergunta:
Quando você se interessou inicialmente pela Comunicação Não-Violenta (CNV), qual era seu objetivo? Vou arriscar uma hipótese e dizer que você buscou a CNV para que pudesse ter conversas mais saudáveis, mais assertivas ou até mais eficientes com as pessoas com as quais você convive.
Se minha hipótese fizer sentido, espero que você tenha encontrado o que buscava, já que a CNV oferece sim muitos caminhos para quem está insatisfeita(o/e) com os resultados de suas interações interpessoais. Refletir sobre como somos condicionades a ver a vida de determinada forma — uma forma violenta — e entender como a linguagem foi sendo adaptada para legitimar essa forma é surpreendente e libertador!
Mas e se eu te disser que para além deste foco, a CNV se aplica a duas outras esferas de nossa vida: Os níveis intrapessoal e sistêmico?
Esses dois níveis também constituem o nosso universo comunicacional e estão intimamente entrelaçados com o nível interpessoal, ou seja, as relações, trocas, conversas que estabelecemos são constituídas pelos diálogos internos que sustentamos, tanto quanto pela forma como transitamos pela sociedade.
Sobre as dinâmicas que mantemos em nível intrapessoal, abordarei em outro dia. Hoje, quero trazer aqui algumas considerações a respeito do nível sistêmico da CNV.
Quando nos dispomos a investigar de modo mais analítico o legado de Marshall Rosenberg, conseguimos identificar que em vários momentos ele faz alusão a sociedade; às situações sociais que ele encontrou em seus movimentos de aprofundamento e difusão da CNV. Ele diz, por exemplo, que desde muito cedo seu interesse para as questões relativas à violência vinham de suas observações sobre como o fato de ter um determinado pertencimento racial ou uma descendência específica fazia com que as pessoas fossem tratadas de formas diferenciadas.
Uma outra situação bastante emblemática relatada por ele, foi quando de uma visita a palestina e alguém o chamou de assassino em virtude dos conflitos armados que aconteciam ali com envolvimento dos EUA. Poderia trazer inúmeros outros exemplos em que a maneira como estamos organizadas (os/es) coletivamente aparece como um dos elementos de investigação de Marshall. Ao que me parece, ele nunca foi alheio aos contextos sociais em que as interações que ele intermediava aconteciam, reconhecendo, desde o início, que nossas experiências, por mais singulares que sejam, elas somente são possíveis porque vivemos em sociedade.
Então, focar no nível sistêmico da CNV é abrir as janela para horizontes ampliados e, por vezes, invisibilizados em nosso dia a dia. É reconhecer que vivemos em um mundo complexo, diverso, desigual, atravessado por valores, lógicas e compreensões da realidade muito variadas, sendo tudo isso ao mesmo tempo um grande desafio posto e também a beleza de nossa existência.
É ainda assumir a responsabilidade para com as transformações que almejamos em nome da justiça e do bem estar coletivo. É descobrir “o que está vivo em nós” enquanto povo, enquanto coletivo, identificando as muitas formas de violência que estruturam nossos modos de ser e viver.
Por tudo isso, é fundamental que possamos enxergar com nitidez quem somos nas sociedades que vivemos, e como esta sociedade está organizada. Um tipo de observação ética que pode conduzir nossos passos rumo à construção de um presente e de futuros mais dignos, não-violentos e amorosos, em que as necessidades de todos os grupos humanos possam ser satisfatoriamente atendidas. Necessidades humanas plurais de todos, de todas e de todes.
Vamos juntes?